“Quanto menos alguém sabe do passado e do presente, tanto mais inseguro será o seu juízo sobre o futuro.” (Freud, 1927)
Em decorrência de minha profissão e em grande parte de característica pessoal, meu temperamento tornou-me um bom ouvinte, penso eu. Ouço muitas histórias. Diariamente. Esta semana recordei-me de uma contada pela Lú sobre um de seus muitos amigos e amigas que mais parecem personagens de Mário Prata. Certo dia esta figura disse em meio a um bate-papo informal: “E se uma onda gigante viesse agora o que a gente ia fazer?”… Detalhe: era uma conversa de mesa de bar.
Fruto de muitos de seus pensamentos estapafúrdios e repentinos tal questionamento já não é nem tão irreal, nem tão absurdo. Em tempo real podia ser vista a enorme onda invadindo a costa do Japão. Quão seguro estamos, mesmo com tanta tecnologia? Monitoramento via satélite, sismógrafos, prédios projetados com “amortecedores” de impactos sísmicos, supercomputadores para prever e planejar ações diante de eventos cataclísmicos decorrentes da “fúria da natureza”. E continuamos abismados diante da TV transmitindo tudo agora em HD.
Este preâmbulo serve para pensarmos em algumas coisas: a primeira delas seria o desamparo humano diante dos fenômenos naturais (tempestades, erupções vulcânicas, tornados e furacões, terremotos, etc.) e o medo gerado pela sensação de inferioridade e fraqueza ou fragilidade humana diante de uma avassaladora força, pois até onde sabemos sempre houve eventos geológicos, climáticos ou populacionais que mudam drasticamente os perfis da Terra, alguns menos outros mais significativamente, frente aos quais nada há de se fazer, embora acreditemos no contrário.
Daí advém uma segunda coisa a se pensar: em função desta sensação incômoda, de que o destino não está em nossas mãos, que há algo que acontece a nossa revelia e que nos oferece perigo, foi justamente neste ponto, onde a natureza nos ameaça, que nos unimos em comunidade e fundamos o que entendemos hoje como Cultura e Sociedade, cuja tarefa capital, “sua verdadeira razão de ser, é nos defender contra a natureza” (Ibid).
E então atribuímos à natureza adjetivos como “indomada”, “selvagem”, “furiosa” e a mais humanizadora e familiar delas: “a mãe natureza”. A humanização da natureza nasce da necessidade de “tornar suportável o desamparo humano” (Ibid), por meio da criação de um conjunto de idéias constituídas a partir de “lembranças relativas ao desamparo da própria infância e da infância do gênero humano”. Tal construção tem a função de nos proteger em dois aspectos: dos “perigos” da natureza e dos danos causados pela própria sociedade humana.
A este conjunto poderíamos dar o nome de espiritualidade, religiosidade, etc. Uma finitude de divindades que ora nos protege, ora nos castiga. Rezamos, oramos. Mantras e búzios. Porque só assim, personificando tudo aquilo que quer entender, projetando seu ser no mundo e considerando cada fenômeno como expressão de seres, que na essência, são indênticos a nós, em nosso imaginário, podemos enfim compreender e dominar o que nos causa estraneza.
Mas o fato é que talvez estejamos no lugar errado, na hora errada, fazendo o que não devíamos, mas cheios de justa causa. A parte terremotos, vulcões e furacões, tudo mais é esperado e fruto do que nós mesmos propiciamos. Continuamos ocupando encostas, verticalizando nossas cidades, partindo átomos, exigindo mais e mais energia. E consumindo tudo que é possível. Mas graças a um bom deus (de sua escolha) poderemos quitar nossas dívidas no além vida. Talvez para que o homem se organize de modo razoável e de forma saudável na Terra, livre de panaceias, urge uma mudança radical nas formas de se educar. Enquanto isso podemos mudar de canal para a próxima notícia da moda: quem sabe um tiroteio em uma escola ou o casamento de fulano de tal.
[1] Freud, Sigmund. O futuro de uma ilusão (1927).
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