O desmatamento de áreas naturais tem acompanhado a história do homem. Desde o surgimento da agricultura, há cerca de 10 a 15 mil anos, muitas florestas começaram a ser substituídas para o plantio de espécies comestíveis e, conforme aumentava a quantidade de pessoas nesses grupos, maior era a quantidade de áreas a serem desmatadas. É interessante notar que a substituição de áreas naturais não estava apenas relacionada ao desenvolvimento da agricultura. O crescimento populacional também acarretou uma maior complexidade social, e o desmatamento ocorria para a realização de outras atividades, como cultos religiosos ou construção de moradias.
Com o início do Mercantilismo, a exploração de florestas mudou o seu foco e o desmatamento passou a ter um caráter mais econômico. Em muitas colônias, as únicas atividades realizadas estavam relacionadas à coleta de produtos florestais para serem vendidos na Europa. E, uma vez que a Amazônia foi descoberta, suas matas começaram a ser exploradas por países europeus como Portugal e Espanha. Nessa época o objetivo principal já era extrair suas possíveis riquezas e implementar a pecuária e a agricultura na região. No entanto, a tecnologia ainda não permitia que houvesse grandes modificações.
O desmatamento expressivo na Amazônia começou entre as décadas de 1960 e 1970,durante a ditadura militar no Brasil. A influência do comunismo soviético e o sucesso da revolução cubana, em 1959, deram início a diversos movimentos revolucionários. E, como muitos desses movimentos usavam áreas de florestas como zonas de treinamento e expansão, o governo brasileiro via a Amazônia como região estratégica para assegurar a “integridade nacional”. É importante frisar que junto a essa justificativa também havia a percepção de que a Amazônia era uma grande área improdutiva, e apenas seria economicamente lucrativa se fosse ocupada e desmatada.
Incentivos ao desmatamento
Com a ajuda dos Estados Unidos, o governo brasileiro elaborou o Plano de Integração Nacional (PIN), no qual criou diversos incentivos para que famílias de áreas mais densamente ocupadas migrassem para a Amazônia. O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), por exemplo, financiava a implementação de sistemas agrícolas e, embora fosse destinado a todo território o brasileiro, os grandes incentivos estavam focados para ser aplicados na região norte. Para ligar a região a grandes centros urbanos, o governo também iniciou a construção de grandes rodovias, como a Transamazônica (BR – 230) e a Cuiabá – Santarém (BR – 163). Com esses incentivos, esperava-se uma migração de mais de 70 mil famílias para a região amazônica.
Como consequência desse período, o total de floresta desmatada na Amazônia foi massivo. Apenas em janeiro de 1978, 16.900 km2 foram desmatados e, em um espaço de 10 anos, a média de desmatamento era de 19.840 km2 por ano. Ou seja, uma área quase do tamanho de Israel era desmatada por ano.
Entre o fim do período militar (década de 1980) e o começo da década de 1990, a economia brasileira entrou em recessão e os incentivos para a migração e ocupação da Amazônia foram diminuídos. Os recursos para estruturar e desenvolver a economia durante o período militar eram provenientes de financiadores internacionais e, como consequência, a dívida externa brasileira aumentou. Em 1982 ela já atingia 300 bilhões de dólares. O aumento da dívida em uma economia pouco estruturada, em conjunto com outros fatores, fez com que a inflação disparasse e atingisse, no final da década de 1980, os 1.157% ao ano. Em 1990, numa das tentativas de controlá-la, o governo congelou grande parte das contas bancárias, o que quase paralisou a economia interna do Brasil. Entre 1988 e 1991, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro decresceu 0,05%. Nesse período, o desmatamento caiu 52% e, em 1991, a quantidade de floresta cortada foi a segunda menor da história (11.030 km2)
Sobe-e-desce nos índices
Em 1995 foi registrada a maior taxa de desmatamento desde o final do período militar: quase duas vezes a taxa do ano anterior. Este salto dramático ocorreu, principalmente, em razão do Plano Real em 1994, criado como tentativa de reduzir a inflação dos anos anteriores, ao fazer com que a moeda brasileira estabilizasse o seu valor pareando-a com o dólar americano. O resultado foi um aumento dos investimentos das empresas brasileiras em 1995. As fazendas de gado na Amazônia, por exemplo, puderam importar implementos agrícolas com menor custo e expandir a sua área de ocupação.
Este plano teve como consequências o aumento do déficit nacional e das taxas de juros causando sérios problemas a vários bancos nacionais – o Banco Nacional e o Banco Econômico, por exemplo, faliram nesse período. Assim, após um 1995 agitado, a economia brasileira passou a crescer mais devagar, tendo como efeito uma grande queda no desmatamento nos posteriores a 1995.
O desmatamento voltou a crescer novamente em 2002, período particularmente importante porque fazendeiros da Amazônia começaram a adquirir mais independência dos financiamentos do governo brasileiro. A primeira mudança foi a melhora no sistema de produção de gado, o que aumentou a quantidade de animais produzidos por área. A segunda mudança, e a mais significativa, foi a erradicação de doenças importantes (como a encefalopatia espongiforme bovina – BSE – e a febre aftosa), permitindo que os estados amazônicos do Mato Grosso, Acre, e metade do sul do estado do Pará pudessem exportar a carne bovina para a Europa. Os dois fatos possibilitaram aumento substancial do lucro das fazendas na Amazônia, gerando grande investimento e uma expansão da área ocupada. Em 2004, a quantidade desmatada foi próxima à taxa de 1995.
Em 2004, o governo brasileiro tentou reduzir o desmatamento e criou o Plano para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). Esse plano propôs objetivos e metas de redução das taxas de desmatamento e foi a base para o importante Fundo Amazônia. Os três objetivos principais eram: (i) ordenamento fundiário e territorial, (ii) monitoramento e controle ambiental e (iii) fomento a atividades produtivas sustentáveis. Em razão das primeiras ações desse plano e o início de outras atividades governamentais coordenadas pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o desmatamento começou a reduzir em 2005.
Reduções do desmatamento, semelhantes à de 2005, também ocorreram em 2006 e 2007. Em 2008, houve um pequeno aumento, e em 2009 foi registrada a menor taxa de desmatamento desde de 1988. A redução da taxa de desmatamento em 2009, no entanto, parece estar mais ligada à crise econômica deste ano do que aos planos governamentais brasileiros, uma vez que, em 2010, mais planos foram criados (como o Plano da Amazônia Sustentável) e o desmatamento teve um leve aumento.
Persistência nas derrubadas
Após centenas de anos de ocupação na Amazônia, é fácil notar que a ideia de desmatar a floresta ainda existe. A economia local é baseada, principalmente, em empreendimentos que envolvem o conceito de que um bom modelo de negócios é apenas viável com a floresta cortada. E, infelizmente, os incentivos dados pelo governo ao longo dos anos transformaram essa ideia em um modelo econômico lucrativo. Assim, a situação da Amazônia só será alterada e o desmatamento reduzido quando os grandes planos governamentais se articularem com profundas mudanças no modelo de negócios local.
Usando essa lógica, algumas pessoas, organizações, governos e empresas estão tentando reduzir o desmatamento na Amazônia. São negócios inovadores que usam o valor da floresta em pé para promover o bem-estar da população local e preservar a floresta. Bons exemplos são: o Fundo Amazônia, a Fundação Amazônia Sustentável, Amata, Macrozoneamento Ecológico e Econômico da Amazônia Legal e muitos outros que são iniciativas capazes de mudar mais de 400 anos de um modelo econômico tradicional.
Rafael Morais Chiaravalloti, biólogo e mestre em Desenvolvimento Sustentável. Autor do livro “Escolhas Sustentáveis: discutindo biodiversidade, uso da terra, água e aquecimento global” e colaborador de revistas da área de Sustentabilidade. e-mail: rafaelmochi@gmail.com
Nota: Este texto foi publicado no site do (o)Eco Amazônia em Novembro do ano passado.