“Abacateiro acataremos teu ato
Nós também somos do mato como o pato e o leão.” (Refazenda, Gilberto Gil)
Escrevo em geral sobre coisas que vejo e as quero dividir com todos. Ah, se meus olhos fossem um câmera filmadora! Pensando no que escrever para o artigo semanal da minha coluna no Diário do Verde, atento (ouvindo) o que meu pai falava de lá da sala. Ele recupera-se de uma cirurgia e tem necessitado de ajuda para diversas tarefas cotidianas. Então, ouvidos sempre atentos.
Ele tem sua cadeira de balanço postada próximo a janela com vista para a rua, onde lê seu jornal, seus livros, vê seus filmes. Hoje quando sentou-se nela deve ter olhado longamente para a paisagem na janela: a rua, as casas, o cachorro latindo, um carro passando. As plantas da mamãe no pátio, o carro na garagem.
Um breve silêncio em casa é interrompido com a observação dele: “Tem um abacate enorme no abacateiro da casa da dona Linda.”
Será que as pessoas hoje em dia ainda observam coisas como essa no dia-a-dia? Assim, estão andando (pois poucos passeiam) pelas ruas da cidade e olham para flores no alto da mangueira, o calango no tronco das árvores, o suí bicando o mamão daquele mamoeiro.
Embora, saibamos que a maiorias das cidades, como Belém-PA, tenham perdido grande parte de suas áreas verdes, ainda é possível ver avenidas bastantes arborizadas, com longos corredores verdes na cidade e grandes áreas de preservação ambiental. Mas perdeu-se nas gerações atuais esse hábito de observar a natureza. As casas já não tem mais o quintal. É só arranha-céus. Concreto, aço e vidro.
E nesta imagem do “olhar pela janela”, lembrei-me de um conto sobre dois velhinhos no quarto do asilo prostrados em suas camas. Apenas um tinha a visão do que se passava lá fora através da janela. Este descrevia tudo que se passava na rua para o colega de quarto que se remoía de inveja e rancor por não desfrutar daqueles momentos prosaicos e prazerosos. Descrevia: um casal namorando, um carro passando, senhoras vindo da feira, passarinhos brigando nas copas das árvores. Mas este velhinho veio a falecer. Ávido, o colega logo apropria-se daquele cantinho há tempos desejado. Sobe na cama e debruça-se sobre o parapeito da janela, para enfim, desfrutar daquelas doces cenas tão sonhadas no antigo leito. Olha. Além da janela está um pequeno quintal, restos de lixo num canto e um imenso muro de tijolos que se interpõe a rua. Nada mais.