Por Renato De Giovanni
Meu avô era apaixonado por ficção científica. Ao longo da vida, reuniu uma biblioteca considerável do gênero, incluindo desde livros de bolso de autores desconhecidos até clássicos de Arthur Clarke, Robert Heinlein e Isaac Asimov. Li muitos deles na adolescência e devo parte da minha formação a isso. Alguns livros continuam vivos na memória, enquanto outros se tornaram pálida lembrança, escondidos num canto obscuro da mente até que algum fato os traga à tona mais uma vez.Foi assim que aconteceu quando me deparei com um inseto que nunca havia visto antes. Aquele par característico de pedipalpos (pinças) ligados a um cefalotórax com quatro pares de patas foi suficiente para desencadear um misto de espanto e cautela. Não fosse pelo diminuto tamanho e pela ausência do ferrão em riste, não restariam dúvidas que se tratava de um escorpião. Mas é justamente neste momento do encontro, quando estamos diante do desconhecido, do potencialmente nocivo ou do simplesmente estranho, que muitas vezes desencadeamos uma reação fatal. Aliás, em se tratando de insetos, nem precisamos de arquétipos da sobrevivência para esmagar, envenenar ou eletrocutar milhares deles diariamente. Nossa reação é praticamente automática.
Assim reagiu Morgan em “O Formigão” (título original “The Big Ant”, conto de Howard Fast publicado em 1960). Num gesto estúpido e impensado, Morgan desferiu um golpe mortal naquela criatura repugnante que havia aparecido. Entretanto, intrigado com o animal morto, decide levar o espécime ao curador da coleção de insetos de um museu, onde a trama se desenrola de forma inesperada. Mas quais poderiam ser as consequências de um gesto assustadoramente banal? Levando ao extremo, e se aquele indivíduo fosse o último representante de uma espécie? E se houvesse algo de muito especial nele? O autor consegue explorar a situação de forma criativa, de certa maneira dando ares de conservação a um conto de ficção científica. Ou talvez fosse melhor dizer exoconservação?
De volta ao nosso pseudoescorpião, e passado o desconforto da surpresa inicial, fiquei observando aquela criatura por alguns momentos. Por fim deixei-a ali, no mesmo lugar, sem fazer nada. Como vim a saber depois, pseudoescorpiões são inofensivos ao homem e possuem várias peculiaridades. São capazes de migrar longas distâncias através de forésia, ou seja, pegando carona em animais maiores como besouros e mariposas. Limpam-se com frequência, principalmente após se alimentar. Algumas espécies organizam-se socialmente, vivendo em colônias e caçando em conjunto. Nestes casos, são considerados os mais avançados socialmente entre todos os aracnídeos. Experimentos recentes descobriram que, sob condições extremas de falta de alimento, a mãe chega a se sacrificar, entregando o corpo à prole (matrifagia). Apesar de pouco conhecidos, pseudoescorpiões são animais daqui mesmo – bastante terrenos – mas não menos especiais. Bom seria que estivessem livres da nossa entomofobia.