“Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça” (Chico Science)
Um alvoroço na rua. Um ruflar de asas. Um curto-circuito. Uma cena inusitada no centro da cidade. Aquele bando de urubus atacando o lixo de um restaurante. Na alto das casas outros observavam. Parecia um faroeste americano. O sol, o abutre no telhado da funerária, a poeira na rua. Quase senti aquela bola vegetal (não sei o nome) rolando na rua. Não quero contribuir para que o resto do país continue pensando que aqui é uma “selva”, “terra de Malboro”, mas o foi algo lastimável. Também fiquei indignado (erroneamente) com os urubus. Busquei entende-los melhor, esse personagem peculiar que acompanha o ser humano há tempos. Senão, vejamos:
(Trechos retirados do site do Museu do Marajó)
O Sr. Urubu
Brasileiro legítimo, 20.000 anos de permanência na terra, com parentes espalhados no velho e novo mundo, conhecido pelos gringos como Sardoramphus Papa, Coragyps Stratus, Cathartes Aura, Melembrotus, identificado policialmente como Rei, Caçador, Campeiro, Jeréu, Jereba, Tinga, Pubeba, Gameleira; apelidado pelos pescadores como Urubengo e Xangô, etc. etc…
Acusação
Urubu não presta mesmo, sendo objeto de muitas queixas por parte da comunidade humana e bestial: fura os olhos dos bezerros, rouba carne de sol, dá azar fazendo cocô na cabeça da gente e com o mesmo cocô fura os telhados de alumínio, acaba com vacas atoladas, come carniça e espalha doenças, etc. etc…..
Ao lado, a defesa
Se o urubu estraga os olhos dos bezerros, a culpa é do vaqueiro que não presta atenção ao serviço. Não espalha doença nenhuma porque seu ácido gástrico destrói todas as toxinas, como demonstra o tal de Helmut Sick, etc. etc…
Enfim, a sentença
Examinados os elementos de acusação assim como as provas da defesa, o Sr. Urubu deve ser considerado um cidadão digno de respeito, com direito à vida e ao prosseguimento de suas atividades.
Se por um lado faz uns estragos, devido à falta de educação por causa da sua condição de marginalizado, fica absolvido da acusação de poluidor ambiental… Aliás, ele deve ser considerado o grande faxineiro da natureza, limpando os campos, eliminando o lixo e carniças…
Algumas curiosidade e folclores, uns exemplos:
AS GALINHAS e o Urubu – quando um urubu é criado junto com as galinhas, fica limpo, não fede e… as galinhas nunca pegam doenças.
A ESPINGARDA e o Urubu – coitada da espingarda que atirar no urubu: vai ficar panema, que dizer, sempre desmantelada e imprestável.
A MULHER BARRIGUDA – Quando uma mulher está de parto, o urubu já sabe se vai nascer homem ou mulher.
Se for homem, ele pula de alegria, porque o homem é caçador e ladrão de gado, e sempre dá uma bóia para ele.
Se for mulher, o urubu fica triste, porque a mulher só lhe oferece casca de batata e de banana.
O HELICÓPTERO APACHE e o Urubu – É especializado em vôo rasante, para descobrir o inimigo.
O urubu pretinho, voando baixo, farejando, descobre a comida escondida na grama ou dentro de um depósito.
São dezenas de informações de todo tipo: abusões populares, informações cientificas, curiosidades.
Já reparou que quando um urubu encontra uma carniça, nunca consegue saboreá-la em paz, porque dentro de poucos minutos um bando de colegas entram na briga?
Nem a literatura popular é esquecida: Você conhece a historia do urubu do Ver-O-Peso?
Era uma vez um urubuzinho intanguido e fraco, que passava a maior necessidade no Ver-O-Peso (porto pesqueiro e ponto turístico de Belém), sempre na luta para arrumar uma bóia: infelizmente ele só arrumava surras naquele ambiente violento. Um dia apareceu por lá um tio dele, vindo do Marajó: forte e gordo que parecia um patarrão:
– Por que, meu filho, você fica aqui, nesta agonia, em troca de uma miséria? Vem comigo: no Marajó sim, que tem fartura, gado morto não falta nunca!
E ele se foi para a terra prometida… Mas depois de uns meses voltou!
– Que aconteceu, lá também está faltando comida?
– Comida tem, sim, e muita, mas eu… voltei porque estava com saudade da sacanagem do Ver-O-Peso!
Este é folclore, é literatura popular.
(Por Giovanni Gallo)
O Urubu na região é iconográfico. Há uma bela história, um curta metragem chamado O Menino Urubu de Fernado Alves, que vale a pena conferir (Youtbube):
O Menino Urubu (part. 01) | O Menino Urubu (part. 02)
Talvez sejamos mais parecidos com os urubus do que desejaríamos crer. Somos quem suja a cidade e achamos nojento o urubu que do lixo nosso de cada dia se alimenta.
“Eu tenho pena mamãe, tenho pena
tenho pena da garça morena”
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