O primeiro artigo de 2011, descontando o de boas-vindas, não é de autoria de nenhum integrante do Diário do Verde. E sim, de um dos maiores ecologistas do Brasil, José Antônio Lutzemberger, renomado protetor da natureza e o qual considero ideal para merecer sua especial atenção. Neste texto que está prestes a ler, você entenderá, nos mínimos detalhes e em uma visão panorâmica, questões de embate entre economia e ambientalismo, e porque ambos processos, sem o devido cuidado e harmonia, podem causar tragédias e mais tragédias, à exemplo das fortes chuvas que arrasaram regiões do Brasil. Acompanhe:
Trecho extraído do artigo “POR QUE MULTIPLICAM OS DESASTRES ECOLÓGICOS”, do ecólogo José Lutzemberger, publicado na página 24 do Jornal da Tarde (SP) de 13 de maio de 1978.
“Os tecnocratas acham – e os governos aceitam – que eles têm direito de impor ao ambiente e à sociedade certos custos de seus métodos de produção. No cômputo da eficiência de um processo, a atual doutrina econômica, aceita igualmente por capitalistas e comunistas, leva em conta apenas os custos monetários, que procura manter sempre o mais baixo possível.
Aparecem então estranhas formas de “progresso”. Até muito recentemente, em certas fábricas de conservas podia-se observar centenas de pessoas descascando frutas com facas ou com aparelhos simples. Surgiu então um passo gigante na “eficiência” do processo. Agora a fruta chega por fita, cai num tanque de soda cáustica e sai descascada do outro lado. O segredo está no tempo de permanência no banho. Se a fruta fica muito tempo, só sobra o caroço. Para o dono da fábrica é uma tremenda vantagem: livrou-se de centenas de empregados, com todos os custos e complicações da legislação social.
Para a maioria dos empregados, um desastre. Perderam o emprego e, mesmo que encontrem outro, até lá terão tido sensível perda de renda. Para o ambiente, igualmente desastroso. A soda vai diretamente para o esgoto e aparece no rio ou arroio mais próximo causando ali estragos antes inexistentes. A vantagem será concentrada numa só pessoa ou entidade, os custos serão disseminados na sociedade e no ambiente.
Se observarmos com atenção e estudarmos a fundo os “progressos” tecnológicos que hoje nos são impostos pelas grandes estruturas de poder tecnocrático, descobriremos logo que, de uma forma ou outra, eles sempre significam concentração de poder de um lado às custas de estragos sociais e ambientais de outro.
Ou será que obsolecência planejada é progresso real, no sentido de melhorar as condições de vida do homem? Montou-se um fantástico e envolvente aparelho de dissuasão pública que, servindo-se de todos os truques psicológicos imagináveis e de uma fabulosa tecnologia de comunicações, incute no público ânsias e desejos que em muito ultrapassam as necessidades reais.
Quando as primeiras fábricas de automóveis destruíram o meio de vida dos inúmeros artesãos construtores de carruagens, estes não tinham nenhuma força para enfrentar o desastre. A maioria deles, antes profissionais autônomos, passou à condição de operário nas grandes fábricas. Agora, quando a fabricação em massa saturou o mercado de carros, os industriais, acostumados a taxas crescentes de faturamento, não se conformaram com a “estagnação”. Eles também tinham força, tanto financeira quanto política. A primeira saída que encontraram foi a mudança, cada vez mais frequente, de modelos. Mais tarde também começou a se reduzir a qualidade do produto, a ponto de pré programar sua degradação. Em poucos anos de uso o carro está tão estragado que o proprietário se verá obrigado a comprar outro. Para isto, ele precisa escravizar-se em algum emprego e fazer dívidas.
Ninguém está perguntando se a obsolecência programada traz vantagens sociais. Afinal, seus custos são tremendos. Ela significa incrível absurdo, orgiástico esbanjamento de recursos irrecuperáveis. Os industriais apenas argumentam que estes métodos são necessários para a manutenção e criação de empregos. Mas este é um cinismo muito transparente que só a convivência ou ignorância dos governos consegue manter. Ora, eu gostaria de conhecer o tecnocrata que, podendo trocar uma máquina que usa cinco homens por uma que usa um só ou, melhor ainda, por uma máquina controlada por computador, não faz imediatamente esta troca quando suas finanças o permitam. É a partir deste enfoque que as tecnologias duras que hoje prevalecem estão destruindo o planeta. Seu alvo não é atender às necessidades do homem, melhorar, embelezar e harmonizar as condições de vida, melhorar as condições de sobrevivência, proteger o que de belo e valioso a vida produziu neste astro em bilhões de anos de evolução. (…)”
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