“Mulambo boa peça de pano pra se costurar mentira
Mulambo boa peça pra se costurar miséria, miséria…
“Mulambo eu, mulambo tu, mulambo eu, mulambo tu.”
(Rios, Ponte e Orverdrives. Chico Science)
Viajo com frequencia entre Cametá-PA, onde moro e trabalho, e a capital Belém, onde moram minha companheira Lú (por enquanto) e meus pais. São 212 km de estradas, rios, pontes e balsas (como na música de Chico Science “Rios, Pontes e Orverdrives”). Músicas e leituras na bagagem. Esta semana trouxe uma ISTOÉ (02/02/2011, Ano 35, nº 2151). Deparei-me com a matéria “Arte que vem do lixo” na Coluna “Cutura / Sustentável”. Trata-se de um artigo sobre o documentário “Lixo Extraordinário”, aquele que “concorreu” (ou seria figuração?) ao Oscar em Hollywood. Estou falando com certa indignação. Hollywood é e sempre será um Narciso. Nada lhe será bonito que não seja espelho. Os indicados não-americanos estão na categoria “Estrangeiro”. E me parecem ser sempre os filmes “cabeças” com histórias ou estórias “feias”, “sujas” ou “exóticas”, sob a alcunha de “Cult Movie”, que são as lentes que, como diria Eduardo Galeno, os estadunienses veem o resto do mundo.
Mas ao que interessa: o festejado documentário do ano no Brasil (embora seja uma produção nacional, em parte, a qual não foi citada) foi intitulado como reprentante brasileiro pelas bandas de lá. O documentário teve como mote os trabalhos de Vik Muniz (aquele criador das figuras da abertura de Passione, novela das 8h que começa ás 9h, para se adequar, dizem, as exigências do consumidor).
O título original: “Waste land”. Algo como “Terra do Lixo” ou “Lixolândia” (em oposição a Disneylândia?) O catador foi lá nos EUA para ver a estatueta. Acho que me senti como naquele filme em que aquele indiozinho adentra a corte europeia nos tempos de Colombo, sendo apresentado como um pássaro exótico que imita a voz humana.
Não é salutar embelezar ou maquiar, com pompa e circunstância o que é verdadeiro. Em termos de reflexão para o que nos interessa, penso em outro documentário, afora o clássico “Ilha das Flores” (didático, lúdico e educativo) indicaria como Referência (em maiúscula mesmo) ESTAMIRA, que talvez seja mais conscientizador ou inconscientizador – como diria uma professora – produz mais efeito e mais transdisciplinariedade no refletir.
Estamira, a pessoa e o documentário nos trazem um caleidoscópio, uma cosmologia e simbolismo líricos, mesmo que num primeiro olhar aparente ser desconexo, nos mostra tudoaomesmotempoagora. Veja seu nome: ESTAMIRA: este olhar, este ver, ela mira, ela olha. É ao mesmo tempo o Olhar e o que é Olhado, a Vista e a Visão.
Conforme diz Rafael Evangelista: “Estamira, o filme e a personagem, denunciam o desamparo humano, não só filogenético ou ontogenético, mas também social, econômico e político”.
Ou ainda: “É nesse início que encontramos, possivelmente, a chave para o filme. Diz Estamira sobre o que se encontra em Gramacho: “às vezes é só resto, às vezes vem, também, descuido”. Descobriremos depois que isso não vale apenas para os objetos que lá estão, mas também para as pessoas: no lixão circulam restos de vidas e pessoas que não foram cuidadas”.
Segundo Gallego, “os personagens de Estamira e, principalmente, de Estamira para todos e para ninguém: os sem dinheiro, os mal tratados, aqueles que, como diz Estamira, foram libertos, mas para quem não se deu nem trabalho nem terra”. Ou foi dado apenas a acreditar num cenário cinematográfico. Nada acontece além do enquadre da TV.
Estamira não “cai na armadilha da idealização ingênua (nem há mais ingênuos, já anunciou o filme logo no início): Estamira pode se mostrar arrogante, verbalmente agressiva, até mesmo desagradável. Mas Marcos permite que ela se faça ouvir”.
Bem, e talvez sejam apenas minhas elucubrações a partir do que li nesta viajem para cá.
P.S.: Estamira vive no mesmo lixão de Gramacho do outro documentário.
Mais sobre Estamira:
Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=v9ik-M5k0K4
Site: http://www.estamira.com.br/
Artigos:
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=32&tipo=resenha
One Comment
Pingback: Rogai por nós catadores! | Diário do Verde