“Matintaperera,
de tardinha vem buscar
o tabaco que ontem à noite
eu prometi,
queira Deus ela não venha me agoniar,
Ah! Matinta, preta velha, mãe-maluca,
pé de pato.
queira Deus ela não venha me agoniar……
Matintaperera
chegou na clareira
e logo silvou”.
(Música de Waldemar Henrique, letra de Antônio Tavernard)
O folclore brasileiro é rico em histórias e parábolas que enfeitam, justificam certos costumes e hábitos, explicam fenômenos e fatos cotidianos. Algumas histórias são anedóticas outras de arrepiar os incautos, os descrentes e os céticos mais declarados. Em especial na região amazônica os mitos e lendas, personificados em entes (figuras humanizadas) e animais, ambos dotados de características místicas ou mágicas, ou como se diz por aqui, possuem um “fitiço” (feitiço) para toda sorte de situações, povoam muito mais que o imaginário local.
Conheço muitos dos “antigos” (idosos que conhecem mutas história verídicas, nas suas versões, de incidentes nas matas), cheios de histórias e conhecimentos. Caçadores, lenhadores e carvoeiros. Negros quilombolas. Seringueiros (meu avô foi um). Índios. A mata é cheia de vida, na acepção mais plena da palavra. Transborda significados.
Vou contar uma, entre outras, história da Lú. Quando ela trabalhava em uma ONG junto a comunidades carentes na região do Baixo Tocantins, semanalmente fazia um percurso de mais de 80 Km mata a dentro ministrando oficinas e cursos de saúde e educação ambiental. Sempre na companhia do piloto da moto, Jailson.
Neste dia, já acostumados com o percurso semanal, distraídos num bate-papo, quando se deram conta estavam com aquela sensação de já ter passado por ali alguns minutos atrás. Uma risada meio nervosa entre os dois. Calma, ainda não estamos perdidos. parece que andavam em círculos. Rodaram, rodaram. Findava a tarde. O vento muda, os sons da mata mudam. “Lú, se anoitecer a gente procura uma árvore e sobe para passar a noite. Tem onça por aqui.” Rodaram, rodaram. Quando de repente, quando o fim da tarde se tornava penumbra perceberam algo como uma lufada forte de vento sacudindo a mata. Em seguida foram açoitados, ou como dizemos por aqui, foram rimpados, uma saraivada de rimpadas de todos os lados. Jailson acelerou a moto: “Lu não olha para trás!” Foram segundos incontáveis e impensados de temor que desconheciam ter.
“Lú não olha para trás“! Só passava pela cabeça da Lú uma questão:” “o que é isso, meu Deus?” Como em uma mata de copas altas, castanheiros (Castanha-do-Pará), seringueiras, cumarús, mognos, etc, com pouca ou nenhuma vegetação rasteira ou arbustos, só folhas secas pelo chão a desenhar infinitas trilas poderiam ocultar algo ou alguém que nos fizesse isso? Não tem nada, nenhum matinho mais alto, só folhas secas no pé das árvores.
Meia hora de agonia e silêncio. Pararam a moto. Só o ronco do motor. Um som de buzina. “É por aqui Lú!“, disse Jailson convicto. Eram pessoas da comunidade sinalizando a direção que estavam. “Nós estávamos ouvindo a moto de vocês um tempão. Devem ‘di tá’ perdido no caminho, agente pensou, professora Luciana“.
A Lú voltou desta rodada semanal de cursos pelas comunidades da região com marcas nas pernas e braços, das tais “rimpadas“. Mesmo estando de calça e jaqueta jeans.
Hoje em dia a Lú pede licença para entrar na mata e nos rios.
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