“A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade…”
(Comida, Titãs. Composição: Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto)
“Quem controla a àgua, controla tudo“. Com esta afirmação o personagem do filme “Rango” sentencia um futuro desolador. Tão desolador quanto a linha do horizonte tremula do deserto. A seca é tanta que até distorce (ou deforma) nossa consciência. E olha que o filme está na categoria “desenho infantil“. Para além das diversas citações e referências cinematográficas e o surrado maniqueísmo da eterna luta do bem contra o mal e da cômica crise de identidade (eu diria existêncial, pois sutilmente tranportada para um “far, far, west” denuncia no mundo globalizado a angustiante necesidade do “parecer que é“, não atoa Rango considera-se um ator metropolitano que “interpreta” a si mesmo). Mas o que quero ressaltar é o quanto os nossos governates, dirigentes, administradores, etc., podem estar se tornando personagens cujas performances teatrais nos conduzem a crer no que bem desejam: trabalhando no afinco do bem estar social, ambiental, econômico, dos mais necessitados, etc, etc. Enquanto isso teremos que seguir sobrevivendo (o ideal seria “vivendo”!) talvez em cidades como “Dirty” (cuja tradução além de “sujo”, “poeirento”, também cabem sinônimos como “sórdido” ou “mesquinhez”)?
O Cristiano, sobrinho da Lú, acha engraçado o fato de que assisto desenhos animados. Bem, “espio” de Pokémon à Akira, de Spectreman à Kurosawa. Em parte diversão, em parte exercício profissional. Como os olhos do Rango (um camaleão cuja orbita ocular move-se de modo independente), pelo menos como vejo e de onde vejo, olho o mundo com o questionamento da composição dos Titãs cujo senso crítico e mordaz pergunta: “Você tem fome de que?” E na mesma proporção poética do “Amar“ de Carlos Drummond de Andrade:
“(…) amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.”