Apresentação:
“A ideia desse projeto surgiu em um almoço. Na verdade, surgiu na noite após o almoço. Como eu (Rafael) tinha comido algo muito pesado antes de dormir, estava com azia. Em um momento da noite percebi que estava em um dos mais terríveis processos do ser humano: a insônia.
A insônia inverte toda uma lógica natural, pois, para poder dormir, cria-se uma auto-obrigação de pensar em algo para pensar. E, embora pareça redundante, é exatamente disso que ela se alimenta. Pois a obrigação do pensamento leva a um desespero para pensar em alguma coisa, aumentando cada vez mais a insônia. E no lapso de pensamento lembrei-me da conversa da qual tinha participado no almoço daquele dia….”
Prólogo:
“O mundo é feito de escolhas. Quando, ao meio-dia, um leopardo sentado na grama do Serengeti observa um filhote de zebra passar, ele terá de fazer a seguinte escolha: correr atrás do filhote e tentar comê-lo ou esperar por outra oportunidade. A decisão do leopardo de correr ou não é baseada em inúmeras variáveis, e o conhecimento preciso delas lhe dará argumentos para sua decisão. Uma grande distância entre ele e o filhote pode ser um argumento contra, pois não há tempo suficiente para alcançar o filhote antes que ele fuja. Ou, mesmo que a distância seja grande, o leopardo conhece bem o ambiente e sabe que não existem muitos locais de fuga, sendo vantagem correr atrás do filhote. A decisão também depende da sua fome, pois ele pode já estar satisfeito e não valeria a pena gastar energia correndo atrás de um filhote de zebra. São tantas as variáveis que apenas perguntando para o leopardo teríamos certeza de quais são. De qualquer forma, é com base nesses argumentos, contra e a favor, que ele tomará a decisão….”
Capítulo 1
“Há alguns meses, um amigo nosso pensou que tivesse tido uma grande ideia. Como em sua casa já havia duas cachorras de grande porte, resolveu levar o filhote (o “Chantilly”) de uma delas para um sítio. Ele acreditava que o grande espaço aberto que existia e a vida um pouco mais selvagem fariam bem a ele. Embora nos seus pensamentos mais abissais talvez ele tenha transferido para o filhote as suas vontades, realmente estava confiante de que seria uma atitude apropriada. No entanto, não contava com o aguçado gosto de seu cachorro para galinhas, especialmente as galinhas do caseiro. Ao final de seis meses, foram 17 galinhas mortas e 250 reais a menos em sua conta. Concluiu que não tivera uma boa ideia e o Chantilly voltou para sua casa….”
“Foi no questionamento sobre o presente que também surgiu a ideia de sustentabilidade. A indignação e a não aceitação das enormes injustiças sociais e a avançada degradação ambiental fizeram muitas pessoas idealizarem um mundo melhor e mais justo. Um mundo em que a economia, o ambiente e o social seriam discutidos juntos e nenhum seria privilegiado em função da supressão de outro. Esse pensamento, de certa forma mais sistêmico, foi chamado de “O Tripé da Sustentabilidade” ou “The Triple Bottom Line”, como revisado pela primeira vez pelo inglês John Elkington no livro Canibais com garfo e faca…..”
Capítulo 2
“No começo do século XVIII, a galinha do urzal (Tympanuchus cupido cupido), que estava entre as espécies de aves mais comuns da América do Norte, era encontrada em quase toda a costa leste dos Estados Unidos e ao sul do Canadá. Alguns dizem até que o primeiro jantar do dia de Ação de Graças foi saboreado à base de galinha do urzal, e não, como normalmente é retratado na história, de peru selvagem. Verdade ou não, por ser fácil de caçar e viver em locais acessíveis, essa galinha era muito utilizada na alimentação. Como consequência, em 1830, ela tinha desaparecido do continente, sendo apenas encontrada na ilha de Martha’s Vineyard.
Em 1908, em uma das primeiras atitudes conservacionistas da história, foi estabelecida uma reserva dentro da ilha para preservação das últimas 50 aves. Como não havia caça, em menos de dez anos, o número de indivíduos aumentou para mais de mil. Nesse momento, a população da galinha do urzal estava com boas perspectivas. No entanto, quando algo está indo muito bem, provavelmente irá piorar – “depois da bonança vem a tempestade”. Para a galinha do urzal, aconteceu no ano de 1916, que chegou em forma de incêndio, inverno rigoroso, seca e uma doença de aves domésticas. Após tudo isso, em 1928, 13 aves estavam vivas, sendo apenas duas fêmeas. Em 1930, somente uma ave estava viva. Em 1932, morreu o último indivíduo dessa espécie, levando a galinha do urzal à extinção (BEGON et al., 2008)…..
Uma vez extinta, atualmente, é impossível fazer ressurgir uma espécie. Portanto, mesmo que confirmem que o primeiro jantar de Ação de Graças foi realizado com a galinha de urzal, a comemoração vai ter que continuar a ser feita com peru.”
“Cerca de 40% de todas as drogas prescritas e não prescritas usadas em todo o mundo possuem ingredientes ativos que são extraídos ou originados de plantas e animais”
“Estima-se que entre 15% e 30% da dieta americana é resultado direta ou indiretamente da polinização feita por animais. O valor monetário desse serviço no mundo é de US$ 117 bilhões”
Capítulo 3
“No dia 16 de maio de 2006 foi vendido o instrumento musical mais caro da história, um violino Stradivarius denominado “The Hammer”. O preço estimado para venda girava em torno de 2,5 milhões de dólares, contudo, após uma intensa disputa entre dois compradores, o violino foi vendido por 3,5 milhões de dólares, 40% acima do valor estimado.
O criador desse violino, Antonio Stradivari, nasceu na Itália, em 1644, e, em seus 93 anos de vida, conseguiu produzir os melhores violinos feitos até hoje. A qualidade do violino está principalmente no som: um Stradivarius consegue reproduzir uma música de forma intensa e melódica em que todos os tons das notas musicais soam sempre claros. No entanto, um Stradivarius não é caro apenas em razão de sua qualidade. Até hoje não são conhecidas com exatidão as características de sua construção que tornam o som tão peculiar. São cerca de trezentos anos de pesquisa sem uma resposta certa, tornando-se um instrumento único e sem replicação (STRADIVARIUSVIOLINS, 2010).
Na natureza, também existem alguns “Stradivarius”, e o mais importante deles é a fotossíntese, em função da qual podemos respirar e nos alimentar. Ela é o início de toda a vida. E, assim como o Stradivarius, não conseguimos replicá-la. São os seres fotossintéticos que nos dão suporte para sobreviver….”
“O resumo desses mecanismos é que os seres fotossintéticos são os únicos que produzem seu próprio alimento. O que fazem todos os demais é comer os seres fotossintéticos, ou então, “comer aqueles que os comeram”…
“Há cerca de 10 mil anos, algumas sociedades humanas começaram a mudar esse modelo. Em vez de coletar o alimento, começaram a cultivar plantas ao redor das aldeias e, em vez de caçar, começaram a domesticar animais selvagens e alimentá-los com as espécies cultivadas..”
“Atualmente, cerca de 40% da superfície de terra já está tomada pela agricultura (FOLEY et al., 2005). Considerando apenas áreas aráveis, cerca de 98% já foram desmatadas (SANDERSON et al., 2002), e somente na Europa e no sul da Ásia mais de 70% das terras são usadas (Wood et al, 2000). Portanto, a revolução agrícola realmente expandiu e aumentou a produção de alimento no mundo, mas ainda não é suficiente….”
Capítulo 4
“A água é simplesmente a junção de duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio, mas, virtualmente, está presente em todos os acontecimentos biológicos. O metabolismo dos seres vivos só funciona com a presença de água. O oxigênio originado da fotossíntese é proveniente da água, e sua absorção nos pulmões apenas ocorre com presença de água. A circulação sanguínea somente é possível porque as substâncias estão diluídas em água. A digestão dos alimentos ocorre com o auxílio da água, e a sua excreção também. O sistema nervoso só funciona porque íons de potássio e cálcio estão diluídos em água. E a temperatura é estável no nosso corpo porque usamos as propriedades da água para regulá-la. Basicamente, ela está em tudo e em todos.”
“John Snow, nascido na Inglaterra em 1813, estudou medicina e, ainda na juventude, tornou-se um grande adepto de uma vida saudável. Praticava exercícios regularmente, tinha hábitos vegetarianos e engajou-se na causa da abstinência alcoólica. As suas opiniões sobre a ingestão de álcool eram tão fortes que ele não somente juntou-se às fileiras de pregadores da abstinência alcoólica total, como também tornou-se um poderoso defensor e divulgador dos seus princípios. No entanto, no fim da vida, já famoso e sendo considerado um dos grandes gênios da ciência – principalmente da medicina –, dava-se ao luxo de burlar os seus princípios e beber alguns copos de vinho.
As recaídas aos prazeres do vinho do Dr. John Snow não estão relacionadas com as suas descobertas e muito menos com o uso da água. Ela só foi citada neste texto para dizer que todos, grandes gênios ou não, também podem, pontualmente, mudar suas escolhas. Muitas vezes, as escolhas que fazemos para nossa vida podem, por uma combinação de fatores, ser momentaneamente mudadas, e, se ainda seguirmos uma ética nessas novas escolhas, não será algo que irá denegrir a personalidade. Como o Dr. Snow, que, após descobrir que o cólera era transmitido pela água em um período histórico em que a maioria dos cientistas acreditava que as doenças estavam relacionadas à má qualidade do ar, conseguindo interromper uma epidemia que já havia matado, apenas no ano de 1854, mais de 5 mil pessoas na cidade de Londres, comemorou com um copo de vinho, apesar de ser contra tal tipo de festividade…”
Capítulo 5
“Os combustíveis fósseis são uma falha da natureza, portanto, queimá-los seria corrigir o problema!
Colocar um título ou começar um texto com uma frase sensacionalista é uma técnica que, para muitos, vale a pena. Mesmo que cause algumas contradições ao longo do texto ou obrigue o autor a dizer ao final que “não era bem assim”, é uma ferramenta que atrai muitos leitores. Uma vez, por exemplo, ficamos muito tentados a discutir um texto com o título “Sustentabilidade é pura bobagem”, no qual, em um ato de sinceridade extrema, o autor, já no primeiro parágrafo, diz que o título foi colocado para “chocar o leitor e chamar a atenção”, e, no segundo parágrafo, desculpa-se dizendo não crer que sustentabilidade seja, de fato, uma bobagem. Por isso, se entre o balanço da informação contida e a aceitação pelo público, o autor escolher majoritariamente a segunda opção, o sensacionalismo é a melhor ferramenta. Aliás, o aquecimento global é um tema envolto por inúmeras frases sensacionalistas, entre os que acreditam e entre os que juram de pés juntos que é pura mentira. Expressões como conspiração, farsa, verdade inconveniente e opressão da burguesia são comumente usadas.
Para não sermos “estranhos no ninho” na hora de discutir o tema “aquecimento global”, nós também utilizamos um título sensacionalista.”
“Assim, embora queimá-los seria corrigir uma “falha” da natureza, tal ato não é interessante, pois apenas conseguimos desenvolver a nossa sociedade em razão da amenização do clima, e voltar atrás não é mais “conveniente”.”
“A temperatura também acompanhou esse aumento, estando hoje 0,6 °C mais quente do que no começo da Revolução Industrial.”
Confira mais partes do livro na versão do Escolhas Sustentáveis disponível para consulta no Google Books.