Estudo da Embrapa, sobre Florestas ao redor do Mundo, põe à prova esta questão
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É uma pergunta intrigante, e ao mesmo tempo interessante. Depende da sua interpretação. Vamos aos dados: é mais do que provado, por órgãos, entidades, pesquisas científicas individuais, que o Brasil é um país “verde”. A área florestal brasileira é a 2ª mais vasta do mundo, perdendo somente para a Rússia.
Só que, em comparação de biodiversidade e riquezas, o Brasil sai, e muito, na frente da Rússia. Mas, isso, não vem ao caso. Esta questão (feita no título), tende a dois lados: ao certo e ético ao errado e petulante. Ao mesmo tempo que pode afirmar fielmente a soberania brasileira ambiental, quanto ao resto do mundo, pode ser utilizada de contrapartida para os apreciadores de destruição – se aqui tem florestas de mais, em comparação local e mundial, para que preservar com tanto rigor? Esta pergunta, poderia ser a brecha para o início de uma destruição em massa, ainda mais em nosso país, incorreto politicamente por natureza.
Só que, em comparação de biodiversidade e riquezas, o Brasil sai, e muito, na frente da Rússia. Mas, isso, não vem ao caso. Esta questão (feita no título), tende a dois lados: ao certo e ético ao errado e petulante. Ao mesmo tempo que pode afirmar fielmente a soberania brasileira ambiental, quanto ao resto do mundo, pode ser utilizada de contrapartida para os apreciadores de destruição – se aqui tem florestas de mais, em comparação local e mundial, para que preservar com tanto rigor? Esta pergunta, poderia ser a brecha para o início de uma destruição em massa, ainda mais em nosso país, incorreto politicamente por natureza.
E como para tudo precisa o alvará dos nossos ilustres governantes, a coisa se complica: “se ficar, o bicho pega, se correr, o bicho come”.
A afirmação, de que a situação aqui é confortável e o resto que se dane – que concerteza dá motivos suficientes para qualquer ambientalista ou simpatizante da causa verde ficar em pé, sai de um artigo publicado no “O Estado de São Paulo”, no dia 17/01/2007, de autoria de Evaristo Eduardo de Miranda, resultado de objeto de estudo da Embrapa, que teve como participantes: Evaristo Eduardo de Miranda (o da publicação), Luís Carlos Guedes Pinto, Cristina Criscuolo e Cristina Aparecida Gonçalves Rodrigues.
Leia, a seguir, na íntegra, o que foi publicado no Caderno A2 do ESTADÃO, e recentemente republicado na Revista Digital Dazibao [resumo] (comento no final):
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CAMPEÕES DE DESMATAMENTO1
Evaristo Eduardo de Miranda2
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Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, o país detém 28,3%. Dos 64 milhões de km2 de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. Mais de 75% das florestas primárias já desapareceram. Com exceção de parte das Américas, todos continentes desmataram, e muito, segundo estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite sobre a evolução das florestas mundiais.
A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do planeta e hoje tem apenas 0,1%. A África possuía quase 11% e agora tem 3,4%. A Ásia já deteve quase um quarto das florestas mundiais (23,6%), agora possui 5,5% e segue desmatando. No sentido inverso, a América do Sul que detinha 18,2% das florestas, agora detém 41,4% e o grande responsável por esses remanescentes, cuja representatividade cresce ano a ano, é o Brasil.
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CAMPEÕES DE DESMATAMENTO1
Evaristo Eduardo de Miranda2
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Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, o país detém 28,3%. Dos 64 milhões de km2 de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. Mais de 75% das florestas primárias já desapareceram. Com exceção de parte das Américas, todos continentes desmataram, e muito, segundo estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite sobre a evolução das florestas mundiais.
A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do planeta e hoje tem apenas 0,1%. A África possuía quase 11% e agora tem 3,4%. A Ásia já deteve quase um quarto das florestas mundiais (23,6%), agora possui 5,5% e segue desmatando. No sentido inverso, a América do Sul que detinha 18,2% das florestas, agora detém 41,4% e o grande responsável por esses remanescentes, cuja representatividade cresce ano a ano, é o Brasil.
Se o desflorestamento mundial prosseguir no ritmo atual, o Brasil – por ser um dos que menos desmatou – deverá deter, em breve, quase metade das florestas primárias do planeta. O paradoxo é que, ao invés de ser reconhecido pelo seu histórico de manutenção da cobertura florestal, o país é severamente criticado pelos campeões do desmatamento e alijado da própria memória.
Na maioria dos países, a defesa da natureza é fenômeno recente. No Brasil, vem de longa data. Desde o Século XVI, as Ordenações Manuelinas e Filipinas estabeleceram regras e limites para exploração de terras, águas e vegetação. Haviam listas de árvores reais, protegidas por lei, o que deu origem à expressão madeira-de-lei. O Regimento do Pau Brasil, de 1600, estabeleceu o direito de uso sobre as árvores e não sobre as terras. As áreas consideradas reservas florestais da Coroa, não podiam ser destinadas à agricultura. Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau-brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina. Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do pau-brasil manteve boa parte da Mata Atlântica até o final do Século XIX e não foi a causa do seu desmatamento, fato bem posterior.
Em 1760, um alvará real de Dom José I protegeu os manguezais. Em 1797, uma série de cartas régias consolidou as leis ambientais: pertencia à Coroa toda mata à borda da costa, de rio que desembocasse no mar ou que permitisse a passagem de jangadas transportadoras de madeiras. A criação dos Juizes Conservadores, aos quais coube aplicar as penas previstas na lei, foi outro marco em favor das florestas. As penas eram de multa, prisão, degredo e até pena capital para incêndios dolosos. Também surgiu o Regimento de Cortes de Madeiras com regras rigorosas para a derrubada de árvores, além de outras restrições à implantação de roçados.
Em junho de 1808, D. João VI criou a primeira unidade de conservação, o Real Horto Botânico do Rio de Janeiro, com mais de 2500 hectares, hoje republicanamente reduzido a 137 ha. Uma ordem, de 9 de abril de 1809, deu liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil e o decreto de 3 de agosto de 1817 proibiu o corte de árvores nas áreas das nascentes do rio Carioca. Em 1830, o total de áreas desmatadas no Brasil era inferior a 30 mil km2. Hoje corta-se mais do que isso a cada dois anos. Em 1844, o Ministro Almeida Torres propôs desapropriações e plantios de árvores para salvar os mananciais do Rio de Janeiro. Em 1861, pelo decreto imperial 577 de D. Pedro II, foi criada (e plantada) a Floresta da Tijuca.
A política florestal da Coroa portuguesa e brasileira logrou, por diversos mecanismos, manter a cobertura vegetal preservada até o final do Século XIX. O desmatamento brasileiro é fenômeno do Século XX. Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, a marcha para o oeste trouxe grandes desmatamentos. As florestas de araucárias foram entregues pela Ré-pública aos construtores anglo-americanos de ferrovias, junto com as terras adjacentes.
Na Amazônia, a maior ocupação ocorreu na segunda metade do Século XX com migrações, construção de hidroelétricas, estradas e outras infraestruturas. Há 30 anos, o desmatamento anual varia de 15 a 20 mil km2, com picos de 29 mil e 26 mil km2 em 1995 e 2003. Nos últimos dois anos, passou a 11 mil km2, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Apesar de generalizações equivocadas, o desmatamento brasileiro não produziu desertos. Como na Europa, as florestas cederam lugar à agricultura moderna e competitiva, à pecuária, às florestas plantadas (seringa, café, eucalipto, laranja, teka…) e às cidades. O Brasil é um líder agrícola mundial.
O estudo da Embrapa indica que, apesar do desmatamento dos últimos 30 anos, o Brasil é um dos países que mais mantém sua cobertura florestal. Dos 100% de suas florestas originais, a África mantém hoje 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa – o pior caso do mundo – apenas 0,3%. Embora deva-se mencionar o esforço de reflorestar para uso turístico e comercial, não é possível ignorar que 99,7% das florestas primárias européias foram substituídas por cidades, cultivos e plantações comerciais.
Com invejáveis 69,4% de suas florestas primitivas, o Brasil tem grande autoridade para tratar desse tema frente às críticas dos campeões do desmatamento mundial, como tem proclamado o Ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes. Há que ter também responsabilidade para reavivar, por meio de políticas e práticas duradouras, a eficácia das medidas históricas de gestão e exploração que garantiram a manutenção das florestas primárias brasileiras.
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1 Publicado no jornal “O Estado de São Paulo” de 16 de janeiro de 2007.
2 Doutor em ecologia, chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite (mir@cnpm.embrapa.br)
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Na maioria dos países, a defesa da natureza é fenômeno recente. No Brasil, vem de longa data. Desde o Século XVI, as Ordenações Manuelinas e Filipinas estabeleceram regras e limites para exploração de terras, águas e vegetação. Haviam listas de árvores reais, protegidas por lei, o que deu origem à expressão madeira-de-lei. O Regimento do Pau Brasil, de 1600, estabeleceu o direito de uso sobre as árvores e não sobre as terras. As áreas consideradas reservas florestais da Coroa, não podiam ser destinadas à agricultura. Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau-brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina. Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do pau-brasil manteve boa parte da Mata Atlântica até o final do Século XIX e não foi a causa do seu desmatamento, fato bem posterior.
Em 1760, um alvará real de Dom José I protegeu os manguezais. Em 1797, uma série de cartas régias consolidou as leis ambientais: pertencia à Coroa toda mata à borda da costa, de rio que desembocasse no mar ou que permitisse a passagem de jangadas transportadoras de madeiras. A criação dos Juizes Conservadores, aos quais coube aplicar as penas previstas na lei, foi outro marco em favor das florestas. As penas eram de multa, prisão, degredo e até pena capital para incêndios dolosos. Também surgiu o Regimento de Cortes de Madeiras com regras rigorosas para a derrubada de árvores, além de outras restrições à implantação de roçados.
Em junho de 1808, D. João VI criou a primeira unidade de conservação, o Real Horto Botânico do Rio de Janeiro, com mais de 2500 hectares, hoje republicanamente reduzido a 137 ha. Uma ordem, de 9 de abril de 1809, deu liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil e o decreto de 3 de agosto de 1817 proibiu o corte de árvores nas áreas das nascentes do rio Carioca. Em 1830, o total de áreas desmatadas no Brasil era inferior a 30 mil km2. Hoje corta-se mais do que isso a cada dois anos. Em 1844, o Ministro Almeida Torres propôs desapropriações e plantios de árvores para salvar os mananciais do Rio de Janeiro. Em 1861, pelo decreto imperial 577 de D. Pedro II, foi criada (e plantada) a Floresta da Tijuca.
A política florestal da Coroa portuguesa e brasileira logrou, por diversos mecanismos, manter a cobertura vegetal preservada até o final do Século XIX. O desmatamento brasileiro é fenômeno do Século XX. Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, a marcha para o oeste trouxe grandes desmatamentos. As florestas de araucárias foram entregues pela Ré-pública aos construtores anglo-americanos de ferrovias, junto com as terras adjacentes.
Na Amazônia, a maior ocupação ocorreu na segunda metade do Século XX com migrações, construção de hidroelétricas, estradas e outras infraestruturas. Há 30 anos, o desmatamento anual varia de 15 a 20 mil km2, com picos de 29 mil e 26 mil km2 em 1995 e 2003. Nos últimos dois anos, passou a 11 mil km2, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Apesar de generalizações equivocadas, o desmatamento brasileiro não produziu desertos. Como na Europa, as florestas cederam lugar à agricultura moderna e competitiva, à pecuária, às florestas plantadas (seringa, café, eucalipto, laranja, teka…) e às cidades. O Brasil é um líder agrícola mundial.
O estudo da Embrapa indica que, apesar do desmatamento dos últimos 30 anos, o Brasil é um dos países que mais mantém sua cobertura florestal. Dos 100% de suas florestas originais, a África mantém hoje 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa – o pior caso do mundo – apenas 0,3%. Embora deva-se mencionar o esforço de reflorestar para uso turístico e comercial, não é possível ignorar que 99,7% das florestas primárias européias foram substituídas por cidades, cultivos e plantações comerciais.
Com invejáveis 69,4% de suas florestas primitivas, o Brasil tem grande autoridade para tratar desse tema frente às críticas dos campeões do desmatamento mundial, como tem proclamado o Ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes. Há que ter também responsabilidade para reavivar, por meio de políticas e práticas duradouras, a eficácia das medidas históricas de gestão e exploração que garantiram a manutenção das florestas primárias brasileiras.
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1 Publicado no jornal “O Estado de São Paulo” de 16 de janeiro de 2007.
2 Doutor em ecologia, chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite (mir@cnpm.embrapa.br)
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O que você acabou de ler, nada mais é uma auto-afirmação de que o Brasil foi responsável para com as suas florestas, uma vez que possui uma das maiores reservas florestais do mundo. Sim, isso é verdadeiro, mas ao mesmo tempo, induz a pensar que, de uma forma ou de outra, não há a necessidade de preocupação. É o que insiste veementemente.
Para início de conversa, isso é uma ideia insensata e inadmissível, e que não pode ser aplicada no cenário atual.
Motivos não faltam: o Brasil foi responsável, não está sendo mais; e porque, como o texto deixa claro, o verde é um patrimônio inestimável e que ninguém tem mais (contradizendo a si mesmo). Devemos cuidar dele o quanto antes, pois se não ficarmos de olhos bem abertos, só por um momento, mais cedo ou tarde, algum país fará questão de tomar posse – reivindicá-lo a si mesmo, usando de desculpa o pretexto de “patrimônio universal”.
A velha história: “o que é seu, é meu, e o que é meu, é meu!”. Típico de oportunista.
Evidências, existem aos montes. Só enxerga quem quer ver.
Espero que tenha aberto os seus olhos, e principalmente, sua consciência.
Espero que tenha aberto os seus olhos, e principalmente, sua consciência.
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Créditos das imagens: Martin Johnson Heade. Retratam o Brasil.
Pesquisa: pode ser vista no Site da Embrapa.